CARTA ABERTA À SOCIEDADE BAIANA
Á Câmara de
Vereadores de Salvador, à Defensoria Pública da Bahia, ao Ministério Público da
Bahia, ao Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, ao Tribunal de
Justiça da Bahia, à Prefeitura de Salvador, ao Governo do Estado e à
Presidência da República.
Nós, mulheres e homens da SOCIEDADE CIVIL
ORGANIZADA vimos a público concitar o Sistema de Garantia de Direitos de
Crianças e Adolescentes, em Salvador e em toda a Bahia.
Pedimos a atenção dos senhores e senhoras para convocar a
Sociedade Civil e todos os órgãos envolvidos na garantia de direitos de
crianças e adolescentes, para uma reflexão muito séria sobre a falta de
investimento do nosso município em ações e políticas que beneficiem a TODAS as
crianças e adolescentes na preservação dos seus direitos.
É muito comum ver em nossas cidades as crianças pelas ruas,
pedindo, esmolando, sendo violentadas, vivendo de prostituição, usando drogas,
literalmente na miséria e morrendo de abandono. Muito nos decepciona que a
sociedade parece dar atenção a esta problemática somente quando as crianças são
capazes de ameaçar e matar!
Alguns veículos de comunicação, gestores públicos e parte da
sociedade desumanizam estas crianças, como se fossem objetos que simplesmente
brotaram do asfalto! Estas crianças e adolescentes, não são filhos do asfalto e
sim do classismo e do racismo enraizado em nossa sociedade, da miséria política
e econômica de uma sociedade individualista e capitalista, que de forma muito
perversa concentra a renda na mão de poucos; do Estado que se rende a ganância
partidária; e da falta de vontade política em consolidar o direito à educação
na primeira infância.
Queremos dizer ao Estado e ao Município que nossas crianças não
nascem aos 4 ou aos 7 anos e a toda Sociedade Civil que AS CRIANÇAS NÃO BROTAM DO ASFALTO AOS 16 ANOS. Nossas crianças não recebem a importância que merecem
do Estado; as creches públicas e comunitárias em Salvador não estão recebendo o
investimento político e econômico necessário para a consolidação do direito das
crianças de 0 a 5 anos.
Nosso objetivo com esta carta é exigir que as autoridades
governamentais observem e cumpram o que preceitua aos seguintes decretos e
leis:
•
Constituição
Federal:
Art. 227. da Constituição Brasileira Art. 227. É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente
e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (Redação
dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Art. 208. O dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
III
- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
V - acesso aos níveis
mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando;
§ 1º - O acesso ao
ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O
não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao
Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a
chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola.
•
Estatuto
da criança e do Adolescente: “É dever do Estado assegurar atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a cinco anos.” (art. 54-I – ECA).
•
Lei
de Diretrizes e Base da Educação: “A educação infantil será oferecida em creches ou entidades
equivalentes para crianças de até três anos de idade, e em pré-escolas para
crianças de quatro a seis anos” (art.30 – LDB).
•
Plano
Nacional de Políticas para Mulheres:
•
1.1.5
Apoio os municípios na construção e manutenção de equipamentos sociais
(creches, lavanderias e restaurantes populares) para facilitar a inserção e
permanência das mulheres no mercado de trabalho.
•
Metas
•
Aumentar
em 12%, entre 2008 e 2011, o número de crianças entre zero e seis anos de idade
frequentando creche ou pré-escola na rede pública;
•
Construir
1.714 creches e pré-escolas, entre 2008 e 2011;
A educação infantil é o principal alicerce para a construção
de uma vida com dignidade e equidade para todos. Este é um dos princípios da
nossa Carta Magna, mas infelizmente a nossa cidade como outras cidades do
Nordeste, não vem observando isto. E isto está mais do que comprovado, pelos
números apresentados pela atual gestão municipal que declara atender somente 2%
das crianças com idade de 0 a 6 anos.
É realmente uma vergonha e uma injustiça secular que as crianças
nas periferias, em sua maioria de raça negra ainda estejam passando por este
tipo de situação após 125 anos de uma falsa abolição da escravatura. Enquanto não
houver uma reparação justa e verdadeira, viveremos sempre uma verdadeira
anulação de direitos.
As creches públicas e comunitárias entendidas como espaço
coletivo e privilegiado de vivência da infância contribuem para a construção da
identidade social e cultural destas crianças, fortalecendo o trabalho integrado
do cuidar e do educar, numa ação complementar à da família e da comunidade,
objetivando proporcionar condições adequadas para garantir direitos
constituídos, promover educação libertadora e transformadora, com vistas à
inserção, prevenção, promoção e proteção à infância.
A Lei n.º.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB), em seu artigo 4º-IV, confirmou, mais uma vez, que o
atendimento gratuito em creche e pré-escola é DEVER do Estado. Como parte
integrante da primeira etapa da educação básica [a Educação Infantil foi
dividida em creche (zero a três anos) e pré-escola (quatro a seis anos),
conforme artigo 30-I e II da LDB/96.
Esta lei deixa claro, também, que o atendimento a essa faixa
etária está sob a incumbência dos municípios (art.11-V), determinando que todas
as instituições de Educação Infantil, públicas e privadas, estejam inseridas no
sistema de ensino.
A dimensão desse direito é universal, independente de classe
social, diversidade cultural ou diferenças regionais. Assim, o Governo e o
Município devem priorizar e cumprir as normas e leis que orientam a vida das
crianças nesta cidade seja através de instrumentos públicos, comunitários e/ou
privados.
É necessário, também que a Sociedade Civil Organizada faça o
seu papel, monitorando como vem sendo executada a política de creches pela
atual gestão municipal. É de público conhecimento que as creches comunitárias,
apesar de muitas negociações, ainda estão a receber efetivamente recurso
federal do FUNDEB de 2010, 2011, 2012 e 2013. Este recurso vem através do Estado, para os
municípios no mês de janeiro de cada ano e é destinado ao pagamento de despesas
operacionais das creches comunitárias. Porém, apesar de estarem seguindo as
normas de profissionalização de pessoal e atendimento aos requisitos
extremamente burocráticos para assinatura do convênio, muitas creches efetivamente
não receberam recurso federal desde 2010.
Diante da falta de recebimento dos recursos, as creches
comunitárias estão em situação de grave crise financeira, com débitos e
processos trabalhistas por falta de pagamentos de profissionais especializados,
que foram contratados para atender requisitos municipais de profissionalização
da educação infantil.
Por conta disto, muitas creches comunitárias estão fechando
as portas e muitas outras visualizam o mesmo destino caso não consigam reverter
esta situação de crise financeira.
Pois então, se são as creches comunitárias que atendem a
maioria das crianças nas periferias de Salvador, devido à falta de vagas nas
creches públicas, o que acontecerá com as famílias e crianças nas periferias se
em breve forem forçadas a fechar suas portas? Diante disto, qual é a política de garantia de
direitos das crianças e de consolidação da política de creches que a sociedade
civil precisa e qual a política que a atual gestão municipal pretende executar?
O papel social das creches comunitárias é incontestável, pois
é através destas que as famílias nas periferias, que não acham vagas nas raras
creches públicas existentes, conseguem assegurar o direito de suas crianças à
educação infantil, e conseguir exercer seu direito de trabalhar e/ou estudar.
Mais uma vez a comunidade, com muito esforço pessoal e
sacrifício acabam por absorver a responsabilidade que é do Município e do
Estado, de garantir o direito à creche e pré-escola de crianças de 0 a 5 anos e
o direito ao trabalho de mães e pais de família. A creche pública é uma
ferramenta de poder para as famílias, pais e principalmente das mulheres nas
periferias.
Como não existe vagas nas creches públicas, e também não estão sendo construídas creches públicas nas periferias, apesar da existência do programa do Governo Federal PROINFÂNCIA, que repassa verbas aos municípios para a construção de creches, as famílias são impelidas e obrigadas a deixar estas crianças expostas a todo
tipo de violência, em suas próprias casas ou nas ruas. Pois, para estas
famílias não existe alternativa para a sobrevivência, a não ser recorrer a meninas
e meninos, irmãos e irmãs mais velhos para responsabilizar-se e cuidar de outras
meninas e meninos, ou ter familiares idosos assumindo a responsabilidade de
Pais e Mães, da Sociedade, do Município e do Estado.
Sem o investimento político e de gestão municipal eficiente necessária
para a construção de creches pelo PROINFÂNCIA é impossível ter ampliação
do número de creches públicas nas periferias de Salvador. Sem os recursos do
FUNDEB, e sem o apoio político, financeiro e uma gestão eficiente das
Secretarias Municipais de Educação é impossível que as creches
comunitárias assegurem um serviço de qualidade para as crianças cujas famílias
vêm sendo historicamente excluídas dos direitos mais elementares de cidadania.
Nós somos mulheres e homens, negra/os em sua maioria,
branca/os, profissionais, ativistas, profissionais, educadoras, organizadas! Estamos
sempre assumindo a responsabilidade de cuidar de crianças pequenas, em casa,
nas creches, nas escolas, nas residências das patroas, e ainda de exercer nosso
papel de defensores de seus direitos e lutar para que tenham seus direitos
atendidos.
Nós mulheres e homens profissionais da educação infantil,
tiramos algumas crianças da negligência estatal e municipal, do abandono
social, da falta de higiene e saúde, nos mobilizamos, conquistamos e
organizamos espaços destinados a acolhê-las: uma casa, um barraco, um salão da
igreja ou da associação de moradores. Nosso compromisso com as crianças nos
levou à escolas e até à universidade, buscando uma formação que nos torne
capazes de contribuir para o desenvolvimento integral de nossas crianças, e
agora queremos ocupar os espaços públicos de poder, também para lutar pela
construção de um país com mais justiça social, lutar por uma reparação
histórica que deve começar com a garantia do direito a uma educação de
qualidade desde a infância, passando pela adolescência e idade adulta.
O município de Salvador, precisa pagar seus débitos que há
séculos perduram com a população negra e das periferias. Crianças que não têm
seus direitos básicos atendidos, jovens negros sem direito à educação sendo
exterminados todos os dias.
Nas periferias, na cidade de salvador, nós crianças, jovens,
mulheres e homens, e nossos ancestrais, 125 anos depois ainda vivemos uma falsa
abolição, temos tido direitos violados desde que nascemos. A SITUAÇÃO DE ABANDONO E MALTRATO DAS CRIANÇAS EM SALVADOR É MUITO GRAVE!
Diante desta realidade, viemos a público convocar a sociedade
civil e todos os interessados na garantia de direitos das crianças nas
periferias, solicitando uma AUDIÊNCIA PÚBLICA a ser organizada conjuntamente
com a atual gestão municipal, executivo e legislativo, e representante da
gestão federal, executivo e legislativo, para avaliar necessidades, discutir a consolidação
do PROINFÂNCIA e repasse dos recursos do
FUNDEB, e a partir daí construir uma política pública justa de consolidação da
política de creches no município de Salvador, com a participação ativa da
sociedade civil e uma gestão pública eficiente.
“A responsabilidade pelas novas gerações é da coletividade,
não é apenas das famílias individualmente” Maria Malta Campos
Salvador, 03 de junho de 2013
Rede de Mulheres pelo Fortalecimento do Controle Social/Salvador
rededemulheresdabahia@gmail.com
Sindicato das Domésticas de Salvador
sindomestico@ig.com.br
Fórum de Creches Comunitárias de Salvador
focepes@hotmail.com